Ninguém questiona como é bom lembrar do Ney Matogrosso em Secos & Molhados, com aquelas roupas inusitadas, maquiagens alucinantes, dança sensual, cantando o famoso Vira, no “disco” que tinha na capa as cabeças do grupo numa bandeja sendo servidas numa mesa.
A homofobia já corria solta naquela época (1973). Dentro da minha casa a homossexualidade era algo explicitamente inaceitável, e mesmo ainda criança me recordo que, os mais machões dos meus tios e até meu avô, simplesmente adoravam o Ney Matogrosso e toda sua extravagância, apesar de toda carga de sexualidade dúbia, onde se escancarava uma pulsão sexual que jogava na cara uma sexualidade andrógina que quebrava todos os conceitos de macho alfa.
As Frenéticas surgiram depois, mas com o mesmo papel revolucionário, versão feminina.
Ontem tive a agradável surpresa de assistir no programa “Por toda a minha Vida”, da Rede Globo, a justíssima homenagem prestada a elas, “As Frenéticas”.
Todos as conhecem, mesmo as novas gerações. Adorei conhecer um pouco mais de toda a história. Aquela frenesi toda de uma época que marcou as meias multicoloridas. Sensação boa indiscutivelmente renovada.
Por conta disto quis porque quis manter este astral meio nostálgico de uma alegria única e revolucionária. Lembrei das chamadas no Canal Brasil que mencionava o documentário sobre a trupe DZI CROQUETTES, de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, que até hoje não havia assistido.
Sabe aquele elo que faltava e que faz o circulo se fechar?
Pois é, várias fichas caíram. Encontrei a fonte criadora.
A versão masculina, Secos e Molhados e, a feminina, As Frenéticas, são descendentes legítimos dos DZI CROQUETTES, versão absolutamente gay.
A revolução cultural que veio para atuar como antirrevolução política da ditadura foi nascida e criada, no Rio de Janeiro, por artistas (no sentido literal da palavra) gays que formaram o grupo DZI CROQUETTES, em 1972.
O grupo exalava sensualidade, maquiavam exageradamente e quando não estavam quase completamente nus (só de tapa sexo), vestiam roupas quase que absolutamente femininas com alguns detalhes masculinos. A dança era maravilhosa, a teatralização nova, o grupo era absolutamente original e de uma criatividade impar.
Até que me provem o contrário, no Brasil, DZI CROQUETTES criou a notoriedade do que hoje conhecemos como Drag Queen. O povo se assombrava porque não podiam catalogá-los como travestis, pois eram homens muito peludos, boa parte com bigode ou barba, que se expressavam e se vestiam de forma feminina, sem abrir mão do masculino.
No universo teatral pode se dizer que surge com eles o que em seguida foi designado como teatro besteirol.
DZI CROQUETTES também foram aqueles que criaram o que vimos no grupo Secos e Molhados, música, dança, sensualidade e extravagância andrógina.
É deles também todo aquele colorido, fantasias, formação de grupo social identidário que se inspiraram as FRENETICAS.
A revolução cultural, reconhecida no Seco e Molhados que tornou pública e confrontou a sexualidade do macho, assim também identificado nas Frenéticas pelas “despudoradas” mulheres que não correspondiam exatamente ao modelo da mulherzinha de um universo machista, é obra e criação deste grupo de homossexuais e bissexuais que se uniram para desfigurar e quebrar com todo aquele sistema imposto pela sociedade heterossexual, machista e ditatorial (pós 1968).
O próprio documentário faz reconhecer o papel único dessa trupe de atores, dançarinos, comediantes e cantores para visibilidade, junto ao cenário social e político, para os homossexuais brasileiros. Gilberto Gil frisa que teria sido a primeira grande manifestação gay no Brasil, como manifestação artística com um discurso político.
É de um dos integrantes (Wagner, a “mãe” do grupo) a famosa frase “só o amor constrói” e quando interpelado pelo colega (Benedicto Lacerda, a Old) querendo lhe persuadir do enfrentamento pela luta armada, foi dele também o convencimento que muito melhor que utilizar a arma seria a luta através da arte.
Eles não levantaram bandeiras, distribuíram panfletos e nem foram as ruas falarem palavras de ordem, mas foram mais militantes pela luta de nossos direitos que muitos destes que se autointitulam como os verdadeiros "militantes", por serem orgânicos de carteirinha e PTA.
O papel deles, naquela época, foi romper com a imagem que gay é digno de pena ou inferiores, descaracterizar os preconceitos daquilo que significaria o macho alfa ou o homem mulherzinha. Dzi Croquettes subverteram a ordem.
Eles ofereceram a reflexão. Mostraram que eram mais “machos” que muitos outros heteros para enfrentar toda a ditadura militar através da expressão de sua arte, se fizeram presentes e visíveis, angariaram admiração e respeito de todo um grande público e, principalmente, formaram opinião.
Eles vieram, expuseram e disseram, por uma expressão criativa única, o “não” ao preconceito! E foram comprovadamente exemplos seguidos, esplendidamente seguidos. A homossexualidade foi um dos pontos marcantes nos 13 integrantes, aliás, quase a totalidade possuía nome artístico feminino.
No documentário, Ciro Barcelos (Silinha), um dos integrantes do DZI, confidencia a confusão das relações existentes dentro do grupo, Lennie era apaixonado por ele, que por sua vez, apesar de viver com Lennie era apaixonado pelo Rogério. Claudio Tovar era apaixonado pelo Claudio Gaya e este pelo Wagner e aí vai... Fora isto, ainda existiam algumas namoradas que causavam ciúmes, como Roberto que namorava Elke Maravilha, ainda que soubesse que Roberto era gay...
Estes DZI CROQUETTES, formado por homossexuais e bissexuais, nos representam muito bem até hoje, inclusive, estatisticamente. Dos referidos 13 (treze) integrantes do grupo DZI CROQUETTES, 08 (oito) hoje estão mortos, 01 (um) por morte natural, 04 (quatro) deles em decorrência do vírus da AIDS e, não surpreendentemente, 03 (três) em conseqüência de assassinatos motivados pela homofobia.
Qual a memória e o registro da importância deste grupo na concepção cultural, política e de formação de opinião pela população brasileira, em especial a LGBT? Vergonha.
A todos os eternos DZI CROQUETTES, criativos e revolucionários, minhas homenagens.
11 comentários:
Quero muito assistir a esse documentário. Todo cidadão LGBT deveria assisti-lo, pois, além de fazer parte da história do Brasil, faz parte também de nossa história.
Não conhecia Dzi croquetes, muito legal, vou procurar ese documentário.
Parabéns pelo blog!
Tem um selo de qualidade pra vc no mru blog! Passa lá e pega!
Olá,
sempre leio o seu blog e gosto dele justamente por me manter informado em relação a questões jurídicas da comunidade LGBT, quero muito saber sobre a sua visão a respeito da nossa última conquista há duas semanas e também, se possível, uma análise mais apurada sobre os nossos direitos e deveres após essa decisão do STF.
Abraço, espero que esteja tudo bem.
Fernando.
Adorei te conhecer pessoalmente, muito obrigado mesmo pelo convite, mas como você mesmo disse, fiquei meio frustrado por não arregaçar as mangas e fazer CONCRETAMENTE algo a mais. Enfim, estou empolgadíssimo com os avanços, vou te mandar os dados que pediu e aguardarei ansioso uma oportunidade. Já estou divulgando o video no canal do papaigay no youtube e fiz um post em homenagem ao trabalho e ainda comentei de você... Meu blog agora é independente:
http://www.papaigay.com/2011/05/18/hoje-me-senti-cidadao-rio-sem-preconceito-vai-ser-uma-realidade/
www.papaigay.com
Gente, cadê o Carlos? Deve estar participando ativamente da luta pela causa LGBT. Força, meu querido!
veja a novela digital que fala de pessoas sem genero... http://meunomeeken.blogspot.com
Se gostar, por favor, divulgue
Olá Carlos
Acabei de ver o documentário e vim procurar na net, encontrando seu blogger e resolvi escrever dando-lhe os parabéns pelo texto; pois você conseguiu discernir tudo que foi passado em depoimentos, vídeos, fotos, etc.
Lembrava vagamente deles. Eu era muito jovem e, só agora, vi quanto foram importantes e o que significaram para a época, com ditadura e preconceito. Por isso, esse documentário e seu texto são importantes também.
Não faço parte da comunidade LGBT, mas queria deixar meu depoimento, demonstrando que somos todos iguais, independentemente de sexo, cor, raça ou religião.
Um abraço.
Cesar Rodrigues
csr62@ig.com.br
Mas o Tovar era gay mesmo? Me causa estranheza ele ter casado com a Lucinha Lins e o casamento ter durado até hoje...
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