O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


domingo, 3 de junho de 2012

Existe realidade além das fronteiras de cada um



Há anos atrás assisti o filme 'Do Começo ao Fim', de Aluizio Abranches.

Encontrei hoje alguns pessoas que se referiram ao filme com afetação e críticas.
  
Sempre que vamos assistir algum filme que já sabemos acerca do que se trata, vamos com expectativas, evidente. Não foi diferente neste caso.

O senso comum fez com que me preparasse para presenciar uma história bastante escandalosa, por conta disto, esperava que a tarefa do filme fosse me afetar pelo choque emocional vivido pelos personagens da telona, afinal, era um filme que abordava a homossexualidade de dois irmãos que viviam uma relação incestuosa.

Nada disto aconteceu. Essas expectativas se frustraram. O filme não optou contar uma história na forma que pudesse chocar. Parece que muitos que criticaram o filme foram na mesma expectativa e embalados pela mesma decepção. Ficaram contaminados e limitados no olhar e sensações.  Que pena.

É engraçado como pode o registro emocional e racional das pessoas sabotar de tal forma um filme, apenas porque o mesmo segue uma trilha  na contramão daquilo que elas esperam, cegando-as e fechando as portas para todas as emoções. Chega a tal ponto que a 'expectativa' vira uma nítida e inegociável 'exigência'.

Basta se perguntar o que faltou no filme para estas pessoas.
Irmãos trepando e serem do mesmo sexo?
Mãe, pai e família?

Não, estava tudo isto lá. Irmãos que faziam sexo e tinham pai e mãe.


Via-se, claramente, uma absoluta entrega dos atores Rafael Cardoso e João Gabriel Vasconcelos aos seus personagens. O comprometimento e fidelidade na atuação deles com aquilo que se propunham foi a marca registrada. Já Julia Lemmertz foi a quem mais brilhou, até porque era dela o papel limítrofe onde todas as emoções deveriam ser acentuadas, mas contidas, para ajuda na definição do rumo da história. Ela fez isto de forma impecável. Foi o melhor trabalho da atriz que assisti até o momento.  Os dois pais, interpretados pelo Jean-Pierre Noher e Fábio Assunção, que representariam o 'modelo masculino', não tiveram o realce merecido para que os atores pudessem dividir com o papel da mãe o estrelato. Enfim, elenco de primeira e não há crítica a fazer de suas atuações.


A fotografia do filme do suiço Ueli Steirger é simplesmente sensacional. A sua beleza foi tão grande que não se sabia se a estética do filme era determinada pela fotografia ou pela direção. Na, verdade, evidente, atendeu pontualmente ao diretor, num casamento perfeito. O amor era belo, com luzes ensolaradas e não tenso ou sombrio. Era tudo as claras.

A verdade é que não faltou nada. A frustração foi porque tinha que ser escandaloso, e ainda que com final romântico, o importante é que fosse contada de forma inaceitável até os últimos minutos.

Pasolini quando quis quebrar a erotização que levaram seus filmes ao sucesso, colocou as cenas de sexo e personagens comendo merda com pregos.

Aluizio Abranches ao mencionar o incesto, a homossexualidade e família, conduziu a história com beleza, sensibilidade e principalmente amor.

Pasolini não pretendia que o foco do filme fosse sexo, mas questões revolucionárias e sociais. Abranches também não me parece que tinha em mente colocar o incesto e a homossexualidade como âmago.

Os dois fizeram a mesma coisa. Decepcionaram propositalmente as expectativas.

Ao meu ver, Abranches quis apenas contar uma história sobre liberdade, amor e livre arbítrio de forma palatável, na qual o viés da identificação no filme não se desse pelo escândalo, mas pelo afeto maior que ligava todos os personagens daquela específica família.

Não vi o diretor hasteando bandeira gay, expondo pais que aceitaram com indiferença aquela relação incestuosa ou tentando dar desculpas ou atenuantes para a sexualidade dos personagens.

É incrível como é difícil para as pessoas com conceitos tão arraigados se despirem de seus preconceitos para perceberem que o filme vai muito além da sexualidade.

Elas até entendem isto, mas não compreendem como não colocar em primeiro plano o grande drama que para elas é o incesto? Essas pessoas se esquecem de que o filme não é sobre elas, mas a história da vida de outros personagens, que não seguem sua cartilha e nem roteiros, assim como na vida. E é este exatamente o maior valor do filme, apresentar uma história além da vida do espectador, com outros conceitos, opções e rumos.

O que cada um vai fazer com o que o filme proporciona não cabe questionar, espera-se que refletir sobre as diferenças, enxergando em si as suas próprias distinções dos demais, libertando-se do julgamento alheio em busca da sua felicidade, que, provavelmente, não será a mesma do colega da poltrona ao lado que assiste ao mesmo filme.

O foco do filme não é como todos enxergariam o incesto e a homossexualidade ou o preço que pagariam os personagens por conta de tais atributos, mas o que significava a liberdade e felicidade para aqueles personagens.

Pelo que constatei as pessoas só queriam ver a primeira parte, e como não foram atendidas, contaminadas por uma decepção e juízo de valor, não conseguiram aproveitar e dar valor a verdadeira intenção do filme.

Eu já havia gostado, mas somente depois de ouvir falar mal do filme, passei a dar mais valor ao mesmo. Ainda que falem mal e não queiram se entregar ao filme, de alguma forma fizeram contato com esta faceta pessoal, cheio de regras, porque abordava família, incesto e homossexualidade.

Anos se passaram, numa roda de conversa pessoas ainda desencavam o filme Do Começo Ao Fim demonstrando-se afetadas. São poucos os filmes que têm este poder.

Existe realidade além das fronteiras de cada um.

Viva a beleza, liberdade e provocação de Aluizio Abranches! 

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

LinkWithin