O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Jornalista gay 'pede socorro' no Jornal 'O Globo', apesar de sua grave omissão


Ontem, no Jornal O Globo, o jornalista Jefferson Lessa fez uma matéria intitulada “O Medo de Ser”.

O título foi perfeito e diz além daquilo que o mesmo publicou.

O seu texto é muito bom. Bem escrito e com conteúdo. De “raso” ele não tem nada, apesar de assim ele se atribuir.

Na matéria, Jefferson Lessa, no exercício de sua atividade jornalística, publica uma notícia gravíssima que, infelizmente, o envolve.

Ele é vítima do bullying homofóbico no pior local que se possa imaginar: no caminho obrigatório para sua casa, seus vizinhos. Segundo Jefferson “a calçada ficou mais longa que uma maratona. Chegar à varanda torna-se uma decisão pesada, difícil de tomar”. Já foi mais de uma vez agredido física e moralmente.

Parece-me que o aludido jornalista mora na Urca, bucólico bairro da zona sul do Rio de Janeiro.

Jefferson brinca com sua própria desgraça, misturando humor com crítica. Questionado pelos amigos a razão pela qual ele denuncia ou procura a polícia, o mesmo responde: “- Simplesmente porque não vivo dentro de um episódio de “Law & order: Special Victims Unit”, a genial série americana que ficcionaliza o cotidiano da unidade de elite da polícia novaiorquina especializada na investigação de crimes de natureza sexual. Se eu tivesse a certeza de que meu “caso” seria tratado pelos detetives Stabler e Benson, correria para a delegacia mais próxima. Na maior confiança. Como todos sabemos, não é bem o caso por aqui.”

Diferente da maioria, Jefferson Lessa além de ter acesso à informação também possui um papel que o distingue dos demais, pois como jornalista é um formador de opinião.

Aceitaria passivamente a resposta dada aos seus colegas caso se tratasse de uma pessoa desinformada, que morasse em outro estado e que não exercesse uma atividade que formasse opiniões.

Óbvio que qualquer cidadão comum em qualquer lugar deste país tem receio de procurar a polícia para fazer uma denúncia de homofobia, entretanto, como Jefferson sabe ou pelo menos deveria saber, no estado do Rio de Janeiro, no prédio da Central do Brasil, num imenso espaço cedido pela Secretaria de Segurança Pública, foi criado uma super estrutura muito bem organizada para que os cidadãos LGBTs do Rio de Janeiro possam realizar DENUNCIAS e acompanharem os resultados das mesmas. Tudo devidamente acompanhado diretamente pela Superdir- Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos, órgão subordinado à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Trata-se do Disque Cidadania LGBT que através de 14 atendentes, recebe denúncias e atendimento às vítimas de violência e discriminação, durante 24 horas por dia, pelo telefone gratuito, 0800-0234-567.

Se Jefferson pode denunciar o ocorrido num jornal de acesso público o que o impede de tornar pública sua denúncia junto aos órgãos que são competentes para cuidar destes casos? Qual a lógica desta conduta?!

A diferença é que SE NÃO HÁ DENÚNCIA e testemunho da vítima para polícia ou para a justiça ESTAS NADA PODEM FAZER. Ofensas a honra como as sofridas pelo jornalista dependem da notícia criminosa ou queixa-crime, até porque se trata de uma ação penal privada.

O grave da omissão de Jefferson é que o mesmo além de sofrer por sua própria omissão também acaba sendo um mau exemplo a ser seguido por aqueles que o lêem.

Jefferson Lessa, como ele mesmo diz, tem medo de ser e passa o seu medo para os demais. O contraditório é que não há o mesmo medo para denunciar o fato num jornal de grande circulação, onde seus algozes certamente também possuem acesso.

Jefferson de um lado, coloca a voz no trombone contra os seus mal feitores e de outro, amarra as mãos e braços da polícia e das entidades não governamentais.

Minha crítica pessoal é no sentido de que, qualquer pessoa diante dessa situação absurda, se valeria de instrumento que poucos estados no Brasil possuem como é a hipótese do Disque Cidadania LGBT num órgão estatal específico para cuidar da sua aflição e, se tivesse real medo, jamais tornaria pública tal denúncia para se proteger da suposta ciência de seus algozes. Se inexiste o dito medo, nada o impediria de realizar a denúncia a polícia, além de noticiar o fato em sua coluna no jornal.

Enfim, somente me exporia quando pudesse realmente agir de forma contundente contra os criminosos, garantindo tanto a minha preservação física e moral quanto a condenação criminal dos mesmos. E, consciente do meu papel de formador de opinião, jamais me colocaria como modelo para que meus leitores reforçassem o “medo de ser”, quando deveriam ser ensinados e apoiados a exercer sua cidadania, quando exista local e o mínimo de garantia para isto. Se Jefferson houvesse agido como esperado e não obtivesse o mínimo de suas expectativas, aí sim teria todo sentido o medo que espalhou.

Esta não é a primeira vez que isto ocorre e certamente não será a última. Meninas que sofreram discriminação num bar da zona sul tornaram público o repudioso fato e, apesar de ser expressamente solicitado as mesmas que fizessem a denúncia formal, se negaram, impedindo a atuação do Estado junto aquele estabelecimento comercial. Lamentável o fato que foram vítimas, mas igualmente lamentável a conduta omissa que propicia a continuidade da agressão junto a outros lgbts.
/
Fontes:
Ilustração de Claudio Duarte

6 comentários:

Jorge Fortunato disse...

Carlos Alexandre
Bom dia!
Muito bom o seu post e, também, muito esclarecedor.
Ontem li o artigo do Lessa e fquei me questionando: ora se tem ele tem medo, então por que publicar o assunto? Por que não denunciou, ainda mais sendo jornalista? Como vc bem diz "se não houver denúncia, como as autoridades tomaram providências"?
Espero que o Lessa leia este post e anote o número para onde deveria ter ligado e se informado.
Abraço

Jorge Fortunato

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Oi Jorge Fortunado!
Tudo bem contigo querido?
Pensamos da mesma forma.
A matéria dele no jornal teve grande repercussão e infelizmente acaba que quem lê pode entender que não vale a pena agir e denunciar, criando um círculo vicioso no qual são os LGBTs a maiores vítimas. Essa é uma das diferença culturais que nos afastam de nossos direitos.
Bjo
Carlos Alexandre

Fabrício disse...

ola, tambem penso da mesma forma como voces,a melhor opção é a denuncia, mesmo que possa não ter algum efeito, mas temos que confiar na lei. No caso do jornalista, ele tem um grande poder nas mãos, que é poder de usar um veiculo de comunicação de grande visibilidade no brasil, e dessa forma poderia ter aproveitado melhor o espaço na reportagem para instruir às pessoas que passam pelo mesmo problema a procurar seus direitos. Ou então seria mais facil ele dizer, "pessoal se vcs sofrem com isso, fujam pois não ha salvação".
Mas isso tudo que ele relata é gravissimo e me revolta, pois ainda existe muito nas grandes cidades, imagine em cidades pequenas que o pessoal me parece mais conservador. Eu vivo em sao paulo e acho um pouco mais tranquilo que outro locais que ja morei e visitei.
abraços

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

É Fabrício, essa questão perpassa pela cultura e hábitos dos nossos cidadãos lgbts. Se onde há toda estrutura não há denúncia imagine numa cidade do interior? Evidente que toda pessoa deve se preservar e só faz aquilo que pode, mas o que realmente se necessita é mudar a mentalidade do nosso povo e aprender a exercer e exigir os direitos de cidadania. A polícia não faz um favor. É uma obrigação.

Abraço
CA

guto disse...

não sei se discordo do pensamento do jornalista as vezes a melhor saída é mesmo a retirada. não uma retirada de cabeça baixa mas uma retirada estilo "cansei tô indo"...todo mundo tem um papel social e ainda q algumas pessoas achem q podem construir uma sociedade "perfeita" de pessoas lindas e ricas e jovens e bonitas e heteros, isso nunca vai rolar... não só por q que todo mundo tem algo fora dos padrões como tudo na vida tem um contraponto. pra ser rico é preciso q alguém seja pobre. para se ter uma mansão é necessário q alguém a limpe. a partir das diferenças e até dos conflitos e aceitações entre elas q as sociedades se movem. muito bem faria o jornalista (do globo que com certeza confere a qualquer bairro que more um pouco de status)de se mudar da urca, que perderia fosse um pouquinho do seu glamour e ficaria ainda mais chata ( a meu ver ) do que já é...

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Guto,

Interessante suas considerações.
Entretanto, o problema não é o bairro. O problema é a existência de alguns meliantes que ali moram. Não adiante mudar de bairro, já que sempre há possibilidade de outros meliantes surgirem. A escolha da solução cabe ao jornalista, mas caso a opção seja de se mudar, não será ao meu ver solução do problema, apenas da mudança do endereço deste...

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