O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"Atrás de um silicone também bate um coração". História de uma travesti, Cláudia Coca.

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Irina Bacci, coordenadora do Centro de Referência da Diversidade (CRD), escreveu uma homenagem a travesti Claudia Coca, falecida em 10/09/2010, aos 43 anos. Coca era educadora social do Centro de Referência da Diversidade, em São Paulo, desde 2009. Eis o texto:
A militância da dor

Hoje estou de luto, hoje estou triste, hoje estou de branco... a diversidade ora festejada ao nascimento, diferenciada pela vida, é infelizmente nesse país marcada pela dor e pelo sangue.

Por quanto tempo ainda contaremos nossos mortos, por quanto tempo ainda militaremos pela dor dos nossos pares que se vão?

Hoje a diversidade esta de luto, hoje a acolhida está de luto, hoje a solidariedade esta de luto... a irreverência que nasceu Edvaldo, hoje morre Coca, a irreverência que me ensinou que a vida é maior do que a luta pelo direito de sermos diversos, hoje me ensinou que a diversidade se iguala na morte.

Hoje a irreverência retornou a olorum, hoje a irreverência se transformou em terra...hoje a irreverência de ser travesti me ensinou que a indiferença do até a segunda é intangível a transfobia, hoje a irreverência de ser edvaldo, de ser claudia, de ser coca...disse até logo e desse lado, a diversidade deixa de ser colorida e se mancha de vermelho...

Hoje eu estou de luto, hoje eu estou de branco!”
Esse manifesto representa a dor sofrida, especialmente, pelas travestis.

É um universo quase paralelo, desconhecido pela maioria de nós, que somos muitas vezes tão preconceituosos quanto aqueles que acusamos de discriminadores.

Naturalmente reagimos a tudo que é diferente e novo. O que nos é desconhecido causa estranheza. Quem mais sofre, neste sentido, que as travestis? Qual acolhida elas possuem nesta sociedade de regras heterossexistas e machista? Quais os empregos são obtidos por elas?
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Nem precisamos ir tão longe, basta se questionar se, por acaso, você LGBT daria um emprego a uma travesti em seu escritório, sua loja, seu bar, sua casa e etc. Você acha que gays e lésbicas são discriminados? Pense então como deve ser com as travestis.

Não é nada fácil a vida de uma travesti. O dedo lhe apontando as ruas é a regra, a começar pela sua própria família, e, infelizmente, não para por aí.

Quando você sofre a violência física ou verbal praticada por alguém, como normalmente reage? A regra diz que responde com a mesma violência. Se eu grito contigo, você normalmente grita comigo, e assim segue. Muitas travestis são vistas com reservas também por conta disto, mas a pergunta que não quer calar é, porque algumas delas são aparentemente violentas? A que ponto são pessoas apenas reativas? Reativas por quê? A hipocrisia e o conforto de nosso estado de espírito faz com que fiquemos fingindo que não sabemos esta resposta, mas temos plena consciência da verdade.
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A vida não tratou muito bem Cláudia Coca. Nos seus últimos anos a vida ainda se tornou ainda mais devedora dela. Coca que queria resgatar o tempo perdido, continuar a manter a felicidade recém descoberta e ajudar as pessoas com histórico conhecido por ela, já não pode mais, morreu há alguns dias atrás.
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Por conta deste manifesto comecei a buscar mais informações sobre a travesti Cláudia Coca, que morreu apenas com 43 anos de idade.

Ainda não sei a causa de sua morte, embora saiba que no início do ano fazia um tratamento para tuberculose. Fontes seguras informam que foi pedida autópsia e que o resultado ainda não foi divulgado.

Se sobre sua morte não sei, o mesmo não ocorre sobre sua vida.

Uma matéria jornalística de Marinalvo Carvalho, publicada no início deste ano, sob título "A nova transformação de uma travesti " desvenda a história de Cláudia Coca.

Talvez ajude a todos nós a entender aquilo que é dito nas Paradas pelas travestis: atrás de um silicone bate também um coração.

"Vaidosa, 1,79 de altura, sandália salto alto, silicone pelo corpo, pulseiras, óculos de sol, colar, brinco e piercing na barriga e calça jeans apertada. Esta é Claudia Coca, 42, travesti cujo nome de batismo é Edvaldo Marques Cabral. Esta pernambucana da cidade de Olinda chegou a São Paulo em 1984, com planos de trabalhar na cidade grande. Porém, sua vida tomou um rumo nebuloso: o crime.

Passou oito anos em três presídios da cidade, entre eles, o implodido Carandiru. Foi presa por tráfico, assalto a mão armada, receptação e por ser bombadeira (pessoa que injeta silicone nas travestis para refazer o corpo), crime hediondo. Era usuária de crack, cocaína, maconha e ainda se prostituía na região central de São Paulo.

"Você sai de lá (do Nordeste) com um intuito, mas quando chega aqui a realidade é muito diferente. Eu era tudo que não prestava. Todos os delitos possíveis que a justiça inventou e números que qualificam os artigos. Eu era jogada por aí, drogada, me prostituía", recorda com tristeza.

Em 2008, Coca procurou o Centro de Referência da Diversidade (CRD), resultado de uma parceria entre a prefeitura de São Paulo e a União Europeia e um dos equipamentos do Projeto Nós do Centro, que tem o objetivo de atender homens e mulheres profissionais do sexo, travestis e transexuais, em situação de vulnerabilidade. Os frequentadores do CRD recebem atendimento psicossocial e jurídico, ingressam em oficinas sobre geração de renda, cursos de formação profissional e acompanham palestras de orientação.

Quando Coca chegou ao CRD, fez um curso de desenho livre. Demorou a se integrar às aulas, mas conseguiu usar o desenho para resgatar a memória do passado conturbado, pois queria "coisa boa" para sua vida. Sabia que o CRD era para recomeçar. Foram semanas de curso, oficinas, acompanhamento com psicólogo e com assistência social.

"Foi de forma gradativa. Metade de mim queria, metade não queria. Metade sabia que era para o meu bem e a outra metade não queria de jeito nenhum. Só consegui devido aos profissionais do CRD, que com toda a paciência e psicologia, me recuperaram, sem me cobrar nada", diz sorridente.

Coca lembra que chegava drogada ao CRD. "Chegava daquela maneira, nunca me criticaram, nunca fui chamada de canto. Aqui é o porto seguro de todas. Se não estivesse aqui estaria jogada na (rua) Amaral Gurgel (local de prostituição no centro de São Paulo), em baixo da ponte, me prostituindo e fumando qualquer coisa", relata com franqueza. Ela ainda se recupera de uma tuberculose, mas se sente melhor.

Inversão do quadro

Como conhece o centro de São Paulo e as travestis que frequentam a região, o papel de Coca mudou. A Coca versão 2009 já era orientadora socioeducativa do CRD, um espécie de monitora. Desta vez, era ela que ia resgatar "as cocas" que estavam se prostituindo e usando droga nas ruas. Questionada sobre quantas pessoas já resgatou na rua, Coca dispensa a modéstia. "Foram várias, né, filho?"

Nos últimos dois anos, de forma voluntária, trouxe muitas prostitutas, homossexuais e mulheres que precisavam de algum tipo de ajuda. "Passo para elas a experiência que tive." Nesta função, dedica-se quase que exclusivamente ao trabalho de campo, na abordagem ao público-alvo do serviço e na tentativa de trazê-los ao CRD.

"O CRD é minha casa. Sou apaixonada por aqui. Hoje a Coca come, dorme e toma sol. Antes, estava trancada em presídio, fumando crack, morando na rua, bebendo de tudo. Hoje me sinto bem melhor", afirma.

Coca adora tatuagens e tem três pelo corpo: um beija-flor na panturrilha direita, um coração no lado esquerdo do peito e uma rosa na coxa direita. De vez em quando confessa que sai para dançar e se divertir. Agora ela quer paz, tranquilidade e ajudar as pessoas que passaram pelo mesmo problema.

"Quero curtir e recuperar o tempo de vida que perdi. Hoje sou feliz e tenho vontade de viver. Quero continuar ajudando as pessoas."

6 comentários:

Irina disse...

Carlos, a homenagem fui eu quem escrevi, Coca trabalhava comigo, me ensinou muito, mudou a forma de eu ver a vida e se hoje o CRD é o que é, com certeza, devemos muito a ela.
A Silvia só reencaminhou o email.
bjs,
Irina Bacci

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Irina,

Corrigindo imediatamente. Perdão pelo equívoco. Mas a homenagem permanece.

Abs,
Carlos Alexandre

Gabriel Nunes disse...

Olá, integrantes do blog,

Eu estava assistindo a uma matéria que a Coca fez com o repórter Rafinha Bastos para o programa A Liga da Rede Bandeirantes, então achei a matéria interessante e decidi procurar mais detalhes sobre ela a caráter de mera curiosidade. Então me deparei com essa notícia de sua morte. Fatídico!

Bom, gostaria de saber se alguém já sabe qual foi o motivo do falecimento. O laudo saiu?

Atenciosamente,

Unknown disse...

Eu amava ela ficamos presas juntas dizemos uma amizade

Anônimo disse...

Eu só pude ver agora isso na internet. Eu. Fui filha da coca
Eu caí em São Paulo eu tinha 15 anos e ela
Me
Tirou de uma cafetina. E me levou morar com ela. Foi uma
Mãe uma amiga e quando me ensinou a nunca chegar perto das drogas ela me criou acho q da forma que ela sempre quis ser. Saudades

Anônimo disse...

Meu nome paola Marques filha da coca hoje tenho 46 anos

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