Natal passou.
Muitos passaram em família, mas nem todos.
Há famílias e famílias.
Existem aquelas que ao descobrirem a orientação sexual do filho o colocam no olho da rua, as vezes, debaixo de pancadas e humilhações.
Parece dramalhão mexicano? Parece sim, mas infelizmente é a realidade de alguns lgbts. Já recebi algumas cartas na Revista G Magazine questionando direitos e deveres em que no histórico havia tais passagens, cada um pior que o outro. Há dor, ressentimento e revolta, mas sobretudo uma forte sensação de rejeição e preconceito.
Ainda que por total falta de opção e com marcas profundas, essas pessoas se refazem das cinzas, já que mesmo sem o pai e a mãe, elas PRECISAM encontrar uma maneira de sobreviver a tudo e todos.
As pessoas que me escreveram conseguiram criar nova história, novos vínculos e algumas delas formaram nova família. E pelo fato de não possuir filhos, a reação delas, evidente, é se indignar com a hipótese de que se algo ocorrer com elas seus bens indisponíveis serem exatamente destinados, de forma obrigatoria, para aqueles que o rejeitaram e fizeram passar pelos prováveis piores momentos de suas vidas.
Na realidade, vejo tais pais, em alguma medida, como vítimas também. Vítimas desses evangélicos, papa e bispos católicos que não se cansam de fazer apologia contra homossexuais na mídia e púlpitos religiosos, apontando-os como antinaturais, pedófilos, instrumentos de pragas e tudo mais que evidentemente não presta, fomentando o preconceito e discriminação social. Na cabeça de um pai sem muita cultura, com formação machista e crença cega que tais religiosos são pessoas que detém a fonte fidedigna do certo e do errado, tais palavras advindas dos religiosos viram a ARMA que eliminará o homossexual daquela família. Portanto, de quem seria a principal CULPA?
Tais religiosos, cultos, estudiosos e totalmente conscientes de seus atos e palavras, acabam substituindo a lição que deveria ser de pregar a paz, ensinar o amor e preservar a família pelas consequentes brigas, cultivo do ódio e desunião familiar, deixando ainda um rastro de rancor pela vítima que sofreu tal violência e, creio eu, a culpa que deve morar no fundo do coração de tal pai que, imagino, tenha agido acreditanto que seria o melhor para todos, inclusive para seu filho.
No entanto, é direito do filho rechaçado e agredido moralmente não querer partilhar seus bens e direitos a quem lhe abandonou à sorte. Parece razoável que ele prefira proteger aqueles que o acolheram ou com quem criou novos laços de família.
A lei brasileira não cuida das situações específicas dos LGBTs, porque como todos sabem, NÃO HÁ NENHUMA LEI APROVADA NO BRASIL que cuide especificamente de suas relações. Se procurar leis que cuidem de animais, idosos, petróleo, índios, crianças, mulheres, religião, seguro, terras, negros e etc você encontrará, mas para LGBTs não! Segundo os políticos evangélicos não há necessidade, pois as regras que justificam a existência de normas específicas para os demais, não caberiam aos homossexuais. Segundo eles, qualquer lei seria um privilégio, basta utilizar as leis gerais que existem. Pena que eles não pensem assim quando se fala em lei contra a discriminação à religião e dos tributos para igrejas.
Mas o LGBT rechaçado pode e deve procurar o caminho cheio de pedras, na lei que não foi feita para ele, no intuito de alcançar seu objetivo.
Para destinar os bens que possuir a quem deseje, possuindo ascendentes vivos, o lgbt deve fazer um testamento, no limite de cinquenta por cento daquilo que possuir, pois os outros cinquenta por cento seguirão obrigatoriamente para os pais que ainda estiverem vivos, caso o homossexual não possua filhos.
Pode também o lgbt que sofreu agressões física e verbais graves, excepcionalmente, DESERDAR os pais, se os mesmos derem causa a uma das previsões expressamente prevista na lei civil, entre elas estão a ofensa física e a injúria grave. Esta é a única forma de viabilizar o direito do homossexual testar todos os seus bens a quem desejar, excluindo seus pais. É importante, no caso da ofensa física e/ou de injúria grave, seja realizado um registro policial, e imprescindível que conste do testamento a deserdação pretendida. A deserdação é um ato solene e uma exceção severa da lei, portanto, para instituí-la, importante procurar um advogado de sua confiança pessoal ou defensor público, para assessorá-lo. Não é nada simples, mas é o que temos.
Embora deseje que o lgbt encontre a reconciliação familiar, obtendo a paz e redescobrindo o amor entre eles, não posso deixar de consignar no blog, mesmo após o recente Natal finalizado, o direito que o lgbt possui de deserdar seus pais, se for o caso. Direito excepcional, solene e doloroso, mas possível.
foto: author: Xeophex
4 comentários:
Alexandre, uma outra possibilidade que me ocorre é a doação em vida com reserva de usufruto.
Uma alternativa à restrição de apenas se poder destinar livremente 50% do patrimônio.
Aqui, inclusive, pode-se pensar em doações para instituições que comprovadamente tem desenvolvido trabalhos sérios em prol dxs lgbts. O/A doador/a enquanto vivo/a tem todo direito à fruição dos bens. Com a sua morte, passam a fazer parte do patrimônio de instituições cooperativas, solidárias, que atuem em prol do segmento.
- Dá pra você se estender um pouquinho sobre esses aspectos?
Beijos e parabens pelo blog.
Rita,
Creio que não seja possível a possibilidade aventada.
Conforme dispõe o Código Civil as doações em vida para terceiros estão subordinadas às mesmas regras da disposição de bens pela via do testamento, ou seja, o doador que tiver herdeiros necessários não poderá doar a terceiros mais que cinqüenta por cento dos bens que possuir na data da doação.
O herdeiro necessário poderia suscitar nulidade do ato.
Beijos
Carlos Alexandre
Você tem razão, havia me esquecido.
Bem, então, outra alternativa talvez possa ser a popularmente chamada "família S/A." ou, ainda, a "alienação", de modo a não deixar cair em mãos de familiares homofóbicos.
Rita, a família s/a sinceramente desconheço, mas posso procurar me informar sobre o tema.
A alienação resolve, se não for fraudulenta.
Na qualidade de advogado, atuei num processo no qual anulei a alienação realizada por um casal "hetero", onde a senhora que possuia mais de 60 anos, não pode escolher o regime de bens e tinha desejo de garantir a moradia para o seu marido e companheiro. Foram ao cartório e fizeram uma escritura de compra e venda do imóvel, mas foi facilmente demonstrada que na negociação inexistiu movimentação de dinheiro e que era fraudulenta, sendo anulada judicialmente.
Mas, o casal, bem poderia vender tudo e torrar o dinheiro, para não deixar para a tal família. Pena que ninguém sabe a sua data de validade e acaba não fazendo isto.
Beijos
Carlos Alexandre
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