O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ulisses: pedófilo ou vítima da homofobia? Parte 2

O suposto caso de pedofilia envolvendo Ulisses, sua esposa, um jovem de 14 anos e sua mãe mexeu com o imaginário de muitos.

Para vários heterossexuais que possuem filhos adolescentes que, certamente, vivem acessando a internet, surgiu um sinal de alerta e a imediata identificação com a mãe do menor de 14 anos. Muito provavelmente, para este grupo, não há dúvidas da culpa do Ulisses.

Já aqueles que são homossexuais e, por cauda disto, possuem experiência na pele e alma de como é ser, descobrir e viver a homossexualidade no seio familiar, se identificaram com o menor de 14 anos e, se desconsiderado o eventual crime, até com o dito algoz.

Na minha visão pessoal a resposta a essas vivências decorre do fato dos pais, primeiro, se enxergarem em situação idêntica, com filhos adolescentes na internet e realmente temerem que aquele inexperiente ser a quem eles devem proteger sejam vítimas dessa espécie de crime hediondo. Mas também a necessidade de identificar um culpado para o ocorrido com sua prole, de maneira a aliviarem sua própria culpa, apesar de não terem sido necessariamente descuidados.

Evidente que a visão heteronormativa é a regra geral e a que comumente é reconhecida dentro da sociedade que vivemos.

Mas muitos homossexuais olham sob outra perspectiva, baseados nas suas experiências pessoais, envolvendo a relação que tiveram com suas famílias (aqui, identificando-se na relação do menor, dito abusado, com sua mãe) e com seus afetos amorosos proibidos (neste, reconhecendo-se na relação de sete meses do menor com o dito pedófilo Ulisses).

É que, se considerada que a orientação sexual do menor seja a homossexual, ao ouvir o relato dos fatos, os homossexuais enxergam suas próprias histórias de vida, sem a tragédia acometida ao menor e ao Ulisses.

A causa é comum. Uma premissa muito difundida no meio LGBT é que “toda mãe desconfia quando o filho é homossexual” e isto, a faz agir como uma farejadora de rastros, sempre atenta e pronta para afugentar tudo que confirme seus receios.

O que acontece com um adolescente homossexual é diferente dos demais. Se um adolescente hetero não sai do computador isso já atrai atenção dos pais, mas ainda é considerado de certa forma dentro do esperado. Mas se sobre ele já recai alguma suspeita de ser homossexual e entra na internet de forma escondida e tenta ocultar os seus acessos, em horários que não possa ser vigiado ou fechando portas, a mãe não tem dúvida que deve imediatamente intervir, questionando o menor, tentando surpreende-lo e, se não for satisfatório, finalmente, vasculhando seus acessos na internet.

Tanto o filho quanto a mãe possuem uma relação de cuidado e desconfiança, com várias mensagens realizadas por códigos que nunca chegam ser ditas de forma expressa, mas entendidas por ambos claramente.

Em nome do amor e da proteção, a primeira coisa que fazem é uma indescritível pressão psicológica, dando informações enfáticas do quanto elas repudiam a homossexualidade e cobram, de forma gentil, aquilo que esperam para o futuro de seus filhos, além das chantagens emocionais que fazem parte de quase toda relação, independente de ser a materna. A ameaça, em regra, é uma espada permanente apontada para o pescoço destes adolescentes, que apesar dos desejos homoeróticos, as vezes nem certeza possuem acerca da sua sexualidade.

Outras mensagens subliminares acompanham a vida do menor gay e são enfatizadas pelos pais, sejam elas relacionadas ao pecado, a culpa, ao errado, assim como vivenciadas na escola, com piadinhas, xingamentos e até agressões. O universo de um menor homossexual, definitivamente, não é um dos melhores. Tudo a sua volta conspira contra, mas nada o pressiona mais que a figura da mãe e pai, o medo de decepcioná-los, de ser responsável pelo sofrimento deles e a sensação de ser rejeitado. Sem contar que o menor é totalmente dependente financeiramente deles.

Nesse “universo” paralelo que vive um homossexual, também é público é notório para ele que ser o foco da especial atenção da família, especialmente sua mãe, para quem sempre há um comentário caso ele apareça ou esteja mais próximo de algum amigo especial. É fato, a mãe sempre olhará com desconfiança a amizade e, via de regra, não gostará do amigo. E se tal amigo for homossexual, não será diferente com sua mãe, a qual também não gostará do outro.

Neste diapasão, quando é descoberta alguma relação homossexual do filho, não há dúvida, a culpa para mãe é sempre do outro que desencaminhou seu filho.

Interessante relato dos pais ao descobrirem que seu filho era gay, no site http://www.gph.org.br/Dep_detPais7.asp :


“Quando soubemos da orientação sexual do nosso filho, eu e a minha companheira, tivemos a sensação que não teríamos forças suficientes para suportar tamanha
dor. Foi como se me arrancassem o coração pela boca, o cérebro explodisse, e
tudo sem nenhuma anestesia, a seco. Para mim, foi um período de trevas,
desespero, muito, muito, muito choro, sem nenhuma luz no fim do túnel. Queria
achar alguma justificativa, culpados, aonde eu errei, culpei esta vida e até
Deus por permitir que esta desgraça atingisse a minha família. Por que conosco,
que sempre fomos pessoas boas, honestas, que só praticamos o bem?... Desprezei a
todos, principalmente o meu filho,... “



Essa culpa, inicialmente apontada para o outro, é a tábua de salvação que quase toda mãe se apega, para não só convencer ao filho do quanto errado ele está e que ainda pode “mudar” como também para ela própria, já que desta forma a sua própria culpa internalizada é transferida para terceiro.

Esse terceiro, bem tem a cara do Ulisses. Ulisses da vida viram o diabo encarnado.

Na história em debate, Ulisses e o menor de 14 anos, soma-se ainda a vivência dos homossexuais que com a mesma idade do menor, na maioria das vezes, já possuía plena consciência da sua sexualidade, sendo tais relações secretas, cheias de culpa, sob o olhar suspeito de suas mães, como um fato normal e conhecido.

Quando não jogam a responsabilidade em terceiro, a sexualidade dos adolescentes homossexuais não é respeitada, e os pais que descobrem preferem imaginar que se trata de uma fase do processo de desenvolvimento, e de forma invasiva, utilizam métodos violentos para mudar a orientação sexual indesejada.

É comum também adolescentes homossexuais suportarem esse tipo de violência moral em suas casas, com medo de serem espancadas ou desprezadas pelos seus familiares, de quem dependem economicamente, restando absolutamente vulneráveis aos mesmos, e, com freqüência, se sentem coagidas a abdicarem de relacionamentos afetivos com o outro homossexual.

Na verdade, esse tipo de relação dentro do âmbito familiar, sob manto do amor e sagrado, apenas reflete aquilo que se constata nas demais relações pessoais. As ocorrências de violência mãe-filho sempre têm o sentido de dominação: é o exercício do poder, utilizado como ferramenta de ensino, punição e controle. O medo e pavor, inclusive na esfera familiar, são sentimentos bem conhecidos pelos jovens homossexuais.

Infelizmente, tenho exemplos reais nas correspondências que recebo na coluna da Revista G Magazine, onde hoje já adultos, relatam fatos extremamente dolorosos vividos quando jovens, questionando até como deserdarem seus pais. Isso é extremamente triste.

Por isso, elucubrando sobre o hipotético, dependendo do caráter do menor e especialmente da personalidade dos pais, num contexto tão complexo como este, alguém questionaria se um jovem de 14 ou 15 anos poderia preferir se isentar, deixando se convencer que a culpa foi do outro, confirmando a versão de sua sofrida mãe? Eu não culparia tal jovem, vítima maior de tudo e todos, já que involuntariamente pode ter sido colocado dentro do olho de um furacão, sem volta, num mar de emoções tão temidas e jamais experimentadas.

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

4 comentários:

Discípulo disse...

Olá Carlos,

Achei seus últimos posts extremamente lúcidos e fiz menção (e reproduzi o texto anterior) em um dos blogs que participo.

Parabéns!

Um abraço
Cris

Anônimo disse...

Carlos,

Mais um texto perfeito. Você conseguiu expor de forma clara como é o conflito familiar dos homossexuais...O que me deixa triste é que por ignorância dos pais, muitos gays vivem infelizes e escondidos pelo resto da vida...É lamentável...

Fernando

Maria Cristina Martins disse...

Querido Alexandre,

Parabéns pela clareza e coerência mostradas na análise deste imbroglio!!

Beijos

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Vó Carlota, sendo a senhora uma sexologa e psicóloga, me sinto profundamente envaidecido pelo comentário.

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