O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


terça-feira, 1 de junho de 2010

"O ator que se assume gay é bobo" X "É bobo querer ser você mesmo e ser feliz?"

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Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais - ABGLT -, enviou uma carta aberta para Sílvio de Abreu.

A polêmica surgiu quando foi amplamente divulgada na mídia uma entrevista de Silvio de Abreu onde este diz que o beijo gay na telinha pode chocar quem não seja gay e que ator que assume que é gay é bobo.

" - Homossexualismo não é mais tabu. Beijo gay é outra história. É uma exposição que grande parte do público que não é gay pode se chocar."

"- Se o ator, digamos assim, vive de fazer tipo, não tem problema. Ele vai poder fazer o tio, o pai, o aleijado, o bobo. Mas se ele vai ser o sonho de amor das telespectadoras, ou a moça que vai ser o sonho de amor do telespectador e ela diz: Eu sou lésbica, ninguém vai gostar. Ninguém mais vai sonhar com ela.[...] Se ficarem falando por trás, não tem importância. Se ele falar abertamente, vai prejudicar. Daí você vai me dizer: O público gay vai gostar. Mas o público gay é 10%. A mulher é 40%, ou sei lá quanto, mais ou menos isso. Ator que fizer isso é bobo."

Li inúmeras manifestações das cabeças pensantes no Movimento LGBT. A primeira delas pelo nosso decano Luiz Mott, que instantaneamente, se levantou contra esta postura por entender que as declarações do autor poderiam inibir muitos LGBTs a sairem do armário e atrasaria ainda mais o beijo gay na televisão brasileira. No entanto, houve quem entendesse a posição de Silvio de Abreu, no que se refere, especificamente, aos indivíduos que exercem atividades artisticas para um público heterossexual, tendo por mira as consequências do que pode ocorrer, em algumas atividades, quando se sai do armário.

Naquele momento, particularemente, não dei palpite neste imbróglio.

Por um lado, entendo absolutamente correta a posição daqueles que criticaram o Silvio de Abreu. Me perdoe o Silvio de Abreu, me pareceu mais que a incompetência de escrever algo com qualidade foi justificada numa incapacidade do público de ver e aceitar uma cena onde exista beijo e até sexo homossexual. Basta lembrar que, entre outros, o filme "O Segredo de Brokeback Mountain", com tais cenas de beijo e sexo, já passaram e foram reprisados em canais abertos da televisão nacional, após lotar os cinemas brasileiros. Basta possuir qualidade e competência da parte de quem escreve, dirige e intrerpreta as cenas.

É incrível que na televisão da Argentina exista novelas com beijos e cenas de sexo homossexuais e aqui no Brasil, terra das novelas exportadas, isto ainda seja um tabu.

Mas, por outro lado, conhecendo pessoalmente alguns atores e atrizes, sei o quanto eles vivem numa atividade competitiva e difícil que não permite que corram riscos de aumentar as possibilidades de restrições numa eventual contratação, seja pela marca de um personagem ou até mesmo pela eventual rejeição do público, que na questão em debate, poderão deixar de enxergá-los como o galã da novela das oito que passa veracidade na conquista da mocinha. Pode parecer besteira, já que o bom ator e atriz passarão tal verdade e o público acabará enxergando a qualidade de seu trabalho, independente de sua orientação sexual. Mas se trata de uma decisão que cabe única e exclusivamente ao artista, que sabe onde dói o seu calo e até onde pode arriscar não ter trabalho para garantir o seu ganha pão.

Não é difícil cantoras e cantores, nem escritores e diretores se assumirem, pois o trabalho deles não fica dimensionado a veracidade de uma interpretação de uma personagem.

Portanto, para o ator e atriz se assumir precisa antes de tudo ter uma segurança muito grande na qualidade de seu trabalho de interpretação e confiar que o público, após uma rigorosa avaliação de confronto do ator para o personagem, terá condições e maturidade suficientes para ultrapassar o choque inicial.

Entretanto, recebi do Toni sua "carta aberta" e a considerei tão mais forte e impactante, que não posso me furtar a dividí-las com vocês, para que cheguem as próprias conclusões. Ao meu ver, ela vai além da atividade artística de um pessoa. Ela fala da pessoa, antes de questionar a atividade do artista.

É que antes da discussão se focar no ator e nas consequências que podem decorrer em sua atividade profissional, Toni preferiu ir ao âmago e discorrer sobre o ser humano que tem por escopo ser feliz, considerando aspectos cruciais, o espaço e o tempo. Ele realmente foi perfeito:

É “bobo” querer ser você mesmo e ser feliz?

Sílvio de Abreu, tenho uma admiração pelo seu trabalho desde que me conheço por gente, quando ainda criança assistia animado suas novelas na nossa televisão preto e branco, lá em Pato Branco-PR, no sofá velho de corvim, na casa de madeira: a primeira, Éramos Seis, que é a novela da minha vida; depois, Guerra dos Sexos, lembro até hoje a cena marcante com o Bimbo (Paulo Autran) e a Charlô (Fernanda Montenegro).

Sempre gostei do seu bom humor. Já a novela Plumas e Paetês, assisti em Quedas do Iguaçu-PR, na televisão colorida, no sofá de napa, numa casa de alvenaria.

Você tem tratado da homossexualidade, entre outras obras, na novela A Próxima Vítima, explorando o envolvimento entre os personagens Jefferson e Sandro. Nesta novela você prestou um grande serviço, desmistifcando a homossexualidade de forma positiva. A cena em que Sandrinho fala para Suzana Vieira que ele é gay e os dois choram foi para mim um dos momentos mais lindos da televisão brasileira. Em Torre de Babel, havia um casal de lésbicas, que morreu em uma explosão em um shopping center. Na época nós achávamos que a mensagem subliminar da morte delas foi lesbofobia. Será que não foi? E agora, com Passione, sem grandes comentários, vamos ver no que vai dar! Hoje assisto a novela no nosso apartamento, numa televisão de plasma, no sofá de tecido.

Por que estou escrevendo para você?

Semana passada, você teria afirmado para a colunista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, que atores homossexuais não devem assumir a sua orientação sexual para não prejudicar seus trabalhos na televisão, porque a revelação pode decepcionar o público feminino, que prefere ver os galãs heterossexuais na tela, e que a melhor opção, nesses casos, é permanecer no armário. “Se ficarem falando por trás, não tem importância. Se ele falar abertamente, vai prejudicar. Ator que fizer isso é bobo”.

Bobo vem do latim ‘balbu”, e significava “gago”. Segundo o dicionário, bobo quer dizer
“indivíduo defeituoso, ridículo, tolo e maluco.”

Vejo que o aparelho de televisão evoluiu, e o sofá e a residência também. O que parece não ter evoluído é a mentalidade em relação ao assumir-se homossexual. Nas palavras de Elis Regina, “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.” John Lennon compôs uma música chamada Imagine. Eu fico imaginando como seria se fizessem no Brasil o Dia Sem LGBT. Muitas instituições não funcionariam. Com certeza, o Projac não funcionaria, e não seria apenas maquiadores ou cabeleireiros que faltariam.

Silvio, vou te contar resumidamente um pouco da história da minha vida para você entender um pouco da minha tristeza e indignação com sua declaração.

Quando falei para minha mãe, aos 14 anos de idade, que eu era gay, ela não teve dúvida. Não me chamou de bobo, mas me mandou para o médico me “curar”. Não deu certo. Procuramos a Igreja Católica e fiz promessa para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, não deu certo.

Fiz novena, mas como eu tive várias recaídas, tive que recomeçar a novena e ela virou quarentena. Fui ao culto da igreja evangélica Assembleia de Deus, não deu certo. Fui ao Centro de Umbanda e tive que fazer uma oferenda, porque o pai de santo me falou que eu tinha uma pomba-gira desgovernada, mas não deu certo. Fiz muita simpatia, que não convém descrever aqui. Não funcionou. Permaneci gay. Fazer o quê?

Para resumir a história, minha mãe falou para mim quase cochichando, “meu filho, já que não tem jeito mesmo de você se curar deste mal, não fale para mais ninguém. Se falar, eu vou sofrer, você vai sofrer, todo mundo da nossa família vai ser motivo de chacota.” Vejo na afirmação que você fez o eco das palavras da minha mãe.

O que fiz? Saí da minha cidade. Estudei. Fui para a Europa onde fiquei por quatro anos. Quando voltei, fundei o primeiro grupo gay do Paraná e depois, em 1995, juntamente com outros 31 grupos, fundamos a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Por força do ofício, eu assumi minha homossexualidade de forma muito explícita, o que recomendo a todos e todas.

Foi como tirar o peso de dois sacos de cimento das costas. Não precisei mais mentir ou omitir.

Depois de me apresentar, e me referindo à Constituição Federal, sei que as pessoas têm o direito à privacidade. O artigo 5º, inciso X, da Constituição oferece proteção ao direito à reserva da intimidade, assim como ao da vida privada. Segundo Celso Bastos e Ives Gandra, intimidade consiste "na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano," opinião da qual comungo e procuro respeitar.

Por outro lado, para nós LGBT que sofremos todo tipo de discriminação (vide o item Pesquisas em www.abglt.org.br/port/pesquisas.php), é muito importante que tenhamos referências positivas de gays, lésbicas e pessoas trans nos meios de comunicação, e não apenas caricatas estereotipadas, ou ausência de referências.

Isto vale tanto para diminuir o preconceito presente na sociedade de modo geral, como também ajuda os jovens que estão se descobrindo LGBT a terem menos dificuldade em se assumir e a não se sentirem inferiores por causa de sua sexualidade diferente da convencionalmente aceita.

Com a sua afirmação de que é bobo o ator galã que assume sua orientação sexual, você reforça o preconceito, a discriminação e principalmente o estigma existentes contra as pessoas LGBT. Sério.

Sílvio,você como o formador de opinião que com certeza é, basta ver os mais de 230 sites e blogs e mais de 30 jornais nos quais sua fala repercutiu, espero que você não esteja recomendando que as pessoas ajam com hipocrisia, que “é o ato de fingir ter crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não possui”. A vida não é um palco iluminado. Ela deve ser vivida intensamente, porque também ela não é um ensaio. Aqui meu amigo, a vida é um ato só, e não tem direito a uma reprise, embora tenha gente que acredite que pode fazer um remake.

Peço que você analise esta frase do nosso querido Caetano Veloso, da música Dom de Iludir: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.” Quando uma pessoa assume sua verdadeira orientação sexual, ela deixa para trás muitas coisas ruins, não precisa mais mentir e fingir. Não corre o risco de ser chantageada. Não precisa mais correr risco de vida.

Você sabia, Sílvio, que muitos gays famosos (atores, políticos, religiosos, jogadores...) acabam sendo mortos por se exporem, muitas vezes levando pessoas estranhas para suas casas às escondidas, por não poderem ser o que realmente são. Ficar no armário causa baixa autoestima e aumenta a vulnerabilidade. Muitos atores e personalidades de Hollywood e até da televisão e do cinema brasileiros morreram de aids como consequência disso. Ficar no armário não faz bem para ninguém.

O primeiro vereador gay assumido eleito, Harvey Milk, cuja história foi retratada o filme A Voz da Igualdade, disse: “Se você não é livre para ser você mesmo na coisa mais linda da vida, que é a expressão do amor –, então a vida, em si mesma, perde seu sentido.” Será que ele era bobo, ou defeituoso?

Sílvio, o armário não é lugar para as pessoas. É escuro, alguns tem mofo e outros até traças. Não faz bem para a saúde mental.

Talvez seu raciocínio seja de que o ator não seja prejudicado. Sabia que esse raciocínio me incomoda, o raciocínio do “vamos deixar tudo como está e não vamos tentar mudar”. Já pensou se não tivéssemos mudado a regra que pessoas negras não podiam se casar com pessoas brancas. Não faz tanto tempo que atores negros e atrizes negras só tinham papéis de motoristas ou domésticas, porque prevalecia o raciocínio de que se o(a) negro(a) fosse protagonista, a novela não teria sucesso.

Também segundo a reportagem, você considera que a exibição de um beijo gay na televisão é um tema polêmico: “é uma exposição com a qual parte do público que não é gay pode se chocar.” Eu pergunto, é melhor colocar um beijo gay, ou tanta violência
e espancamento que vemos hoje nas novelas? Eu prefiro o beijo. Cito aqui um soldado gay americano que disse” Fui condecorado porque matei vários homens na guerra, fui expulso do exército porque beijei um”. O que você falou é o mesmo entendimento da
hipocrisia americana com relação aos gays no exército: você não fala que é e eu não pergunto.

Minha mãe, em 1978, quando eu tinha 14 anos, mandou que eu me curasse da homossexualidade. Mas em 1996, ela fez todo aquele sacrifício, abertamente e sem medo, e se propôs a casar com meu marido, David Harrad, para que ele pudesse ficar no Brasil comigo. Minha mãe mudou. Agora ela teria 79, e você tem 68. Ela era uma pessoa de pouca instrução, mas de grande sabedoria. Se minha mãe mudou, você Silvio de Abreu pode mudar. Você estará colaborando para um mundo melhor em que as pessoas sejam elas mesmas, sem simular afeição. E estarão cumprindo a finalidade da vida, que Aristóteles tão bem definiu como sendo a Felicidade. É “bobo” querer ser você mesmo e ser feliz?

“A sexualidade faz parte de nossa existência. E o projeto de uma bela existência implica o de uma livre sexualidade.”
(Jean-Philippe Catonné)

* Toni Reis, 46 anos, especialista em sexualidade humana, mestre de filosofia, doutorando em educação e presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT - Curitiba - Paraná


Fonte:
Foto de Silvio de Abreu: Fábio Zanzeri/AgNews

8 comentários:

Anônimo disse...

Gus aqui ...
UAU sao as palavras que eu consigo escrever agora para manifestar a minha satisfacao de ter lido esse texto... parabens Carlos por nos trazer informacoes deste tipo, concordo plenamente com tudo que foi escrito... e vale lembrar que hoje em outros paises temos grandes artistas que se assumiram com muito orgulho e que nem por isso deixaram de fazer sucesso dentre as mais variadas plateias..ai me pergunto, pq no Brasil ainda temos poucos ??

Grande abraco,

Gus

João Madeira disse...

Ainda dá tempo!!!
Leiam a 1 carta aos Romanos cap.1 a partir do ver. 18!(N.T.)

João Madeira disse...

Ainda dá tempo!!!
Leiam a 1 carta aos Romanos cap.1 a partir do ver. 18!(N.T.)

João Madeira disse...

Ainda dá tempo!!!
Leiam a 1 carta aos Romanos cap.1 a partir do ver. 18!(N.T.)

   disse...

Parabéns pelo texto.

Só sei que quando eu decidi sobre assumir, eu me senti melhor.

Mas é claro que pode ser mais difícil para um artista. Mas mesmo assim, o caminho é o mesmo.

parabéns .. gostei do blog.

abraços

Unknown disse...

Mais uma vez a televisão brasileira - especialmente a Globo - e seus profissionais mostram a sua mediocridade. Agem como se o problema fosse os homossexuais e não a homofobia.

Nojo de Silvio de Abreu e da Globo.


Orgulho de Toni Reis.

Dorothy Lavigne disse...

Como atriz digo que um outro detalhe me chamou a atenção alem da homofobia:

Silvio de Abreu faz questão de destacar a necessiadade da atriz e do ator de adaptar sua sexualidade ao mercado consumidor. ora, isso não seria uma forma sublimada de prostituição mental. Nada contra os profissionais do sexo, mas achava que não era essa a "praia" dos atores globais...

Dorothy Lavigne disse...

E João Madeira:

Ja li esses versiculosde cada a rabo e eles não dizem ABSOLUTAMENTE NADA sobre homossexaulidade. Mais sorte na proxima vez...

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