Como já é habitual, quiçá a melhor parte da novela Viver a Vida, ao final da novela sempre há um depoimento da superação vivida por alguma pessoa.
Já ouvi piadinhas de algumas pessoas que ridicularizam essa parte contida no final da novela sob justificativa que seria a apologia a pieguice, tipo: como sou feliz depois de me tornar paraplégico!
Não sinto assim. Ali ninguém nega o sofrimento, as perdas e dificuldades enfrentadas, mas mostra como é possível vencer obstáculos realmente penosos e aparentemente intransponíveis.
É um exemplo pulsante da busca de muitos pelo renascimento em vida, para outros da saúde mental e também, ainda, há aqueles tentando resgatar sua cidadania e direitos. O comum a todos é que estão superando obstáculos e lutando pela felicidade que é possível.
Já assisti vários e alguns deles relatei aqui, como o depoimento da transexual Maite Scheneider, que contou todo caminho percorrido após a cirurgia que retirou o penis, até obter o direito de alterar seus documentos para sua nova realidade, assim como também mencionei a história do Oswaldo Braga, que após a separação de sua companheira, encontrou no Marcos Trajano o apoio e felicidade para refazer sua vida, apesar de um de seus filhos ainda relutar em aceitá-lo.
Mas o depoimento do Marcelo Sampaio, no dia 12/05/2010, me tocou particularmente.
Marcelo perdeu seu pai aos cinco anos de idade, sempre quis ser pai, mas o seu trabalho e a orientação sexual pareciam deixá-lo cada vez mais distante de seu desejo.
Durante uma viagem pelo interior de São Paulo com seu companheiro Eduardo (com quem conta 18 anos de união) encontraram um orfanato, pequeno e evidentemente pobre. O objetivo inicial era oferecer ajuda à instituição pois os dois sempre foram engajados em causas sociais. De repente, ao longe, viram uma cabecinha loura vindo na direção deles. Quando Eduardo pegou a criança no colo disse:
-Marcelo, tá aqui o nosso filho.
A partenidade do menor ainda não havia sido destituída, apesar de abandonado e esquecido no orfanato. Eles correram atrás de uma advogada, passaram por todas as burocracias de praxe, diversos psicológos e assistentes sociais, em seguida ingressaram com todos os processos, destituição de paternidade, guarda e adoção.
Tudo foi negado. E pior, foram proibidos de ver o Manoel.
Entraram com medida judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo e em dezembro de 2008, mais uma vez lhe foram negados a entrega e a guarda do menino. Segundo Marcelo, a sua sensação era que ele tinha o filho dele preso numa cadeia, onde não lhe era permitido nem ao menos visitá-lo.
Um pequeno milagre ocorreu. O principal desembargador do Tribunal de Justiça que iria julgar aquele recurso, provavelmente figurando como relator, que já havia se manifestado de forma contrária anteriormente, por razões de saúde deixou o processo e igualmente todo o grupo julgador foi trocado.
Outro pequeno milagre acontece. No julgamento, levanta o Procurador de Justiça (que funciona como fiscal da lei, defensor da instituição da família e dos interesses dos menores) e em alto e bom tom pede que aquela criança fosse imediatamente entregue para aqueles pais adotivos.
Marcelo se emociona e diz que depois de oito meses os portões se abriram e o Manoel estava lá, sentado numa cadeirinha, com saquinho plástico na mão com o brinquedo que havia ganho dele, e Manoel olhou para ele e apenas disse: papai!
Hoje o menino Carlos Alberto se chama Manoel Eduardo e carrega o sobrenome dos dois pais, que selaram a união de 18 anos oficializando a adoção de Manoel.
O pequeno Manoel aparece tão feliz ao lados de seus dois pais...
Gente, a narrativa deste pai foi tão solene, sincera e emotiva que desta vez realmente chorei de emoção. Coloco aqui o vídeo que se encontra no site da Globo.com, na página da novela. Você mesmo pode verificar a história.
Talvez a emoção tenha hoje especialmente me tocado porque também foi um dia com notícias sobre a discussão envolvendo a adoção para casais homossexuais ocorrida numa Audiência Pública promovida pela Câmara de Deputados, que entre os convidados estava uma advogada do Instituto dos Advogados de São Paulo, Regina Beatriz Tavares da Silva.
Esta advogada, de quem nunca ouvi falar, foi absolutamente contra o projeto de lei criado pelo IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família que, contempla, entre outras coisas, as uniões homoafetivas e a adoção para casais homossexuais.
Segundo a advogada de São Paulo, o projeto pretende revogar todo o livro de Direito de Família do Código Civil, que tramitou durante 27 anos na Câmara e no Senado. "Tirar o direito de família do Código Civil é um absurdo, falar que o direito de família deve ser ater a questões de afeto é outro absurdo", afirmou a mesma.
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Assustador constatar os absurdos argumentos da advogada do Instituto dos Advogados de São Paulo. Para ela é o projeto de lei é inconstitucional. Não sei de quem se trata, mas a causídica parece desconhecer totalmente os princípios basilares de nossa constituição federal. Pior é que há sempre políticos de carreira que acolhem entusiasmadamente tudo que possa ser contrário aos direitos dos LGBT.
Inferior a tudo que se admite moralmente ouvir foram as palavras de um outro convidado para a Audiência Pública, o Pastor Silas Malafaia.
Não me pergunte o sentido de um pastor como ele estar ali para se manifestar sobre temas laicos, apenas posso esclarecer que o convite veio do Senador evangélico Magno Malta.
O site da “Agência da Câmara de Notícias” em um parágrafo retrata o que lá fez o homofóbico Pastor Silas Malafaia, perante um grupo de espectadores evangélicos já aliciados para aplaudir ou vaiar o espetáculo, se referindo ao que entende por família frente aos direitos pretendidos por homossexuais:
“Malafaia questionou se outros comportamentos poderiam, futuramente, virar lei. "Então vamos liberar relações com cachorro, vamos liberar com cadáveres, isso também não é um comportamento?" O pastor foi muito aplaudido durante sua exposição.”
Depois de ler estas notícias na listagls e conferir no site da Agencia da Camara do Deputados, assistir o depoimento do Marcelo Sampaio ao final da novela Viver a Vida, não seria possível deixar de me emocionar.
É no mínimo singular ler, na parte da manhã, que um Pastor da Assembléia de Deus foi falar sobre questão de direito e comparar as relações com cachorros e cadáveres aos homossexuais, e a noite, assistir um cidadão homossexual, que sofreu toda sorte de discriminação, falar de adoção, caridade, família e amor.
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Há uma enquete na página da Agencia da Câmara. Não deixei de ir lá para votar a favor. É o mínimo! - http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/DIREITOS-HUMANOS/147752-RELIGIOSOS,-JURISTAS-E-ONGS-DIVERGEM-SOBRE-UNIAO-CIVIL-GAY.html
7 comentários:
Ótimo post... hoje vou gravar aquele programa na TV cultura, depois posto como foi!
Sou Eduardo Indig,pai de Manoel Eduardo Indig Sampaio.Mais emocionado fiquei eu de saber que tocamos no coração das pessoas, e que o que vale nessa vida é o amor!Gostaria apenas que as pessoas refletissem um pouco em relação a procuradora Vera Lúcia Gomes.Que tal a justiça usasse todo o rigor,como no meu caso de adoção,e mandasse bloquear a aposentadoria desta representante da lei!!!Garanto que ela se entregaria a polícia no minuto seguinte!!!!!
FOI EMOCIONANTE, LINDO MESMO! Espero que mais casais tenham a mesma chance que eles tiveram.. rezo sempre pra que o mundo abra os olhos e a mente e compreenda que Deus sempre foi a favor de nossa felicidade.. Ele nos deu so uma vida e seria sim um pecado viver infeliz pra satisfazer uma sociedade preconceituosa. Sou a favor do amor e da felicidade e pouco me interesa se sao dois homens ou duas mulheres que vao adotar uma crianca.. o que me interesa e o quao feliz eles farao a crianca!
Como não chorar né?
Votei na enquete e também comemtei, até a hora que votei estava 72%sim e 27%não. Vamos ver o resultado final.
Carlos Alexandre,
também chorei com o testemunho do Marcelo.
Uma vez, em Paris, no ano de 85, vi entrar num restaurante dois homens. Um negro e um branco.
No colo de um deles, um bebe de meses... e no ombro do outro uma bolsa de bebê, com todos os objetos referentes: fraldas, mamadeiras, chupeta e etc...
De tempos em tempos a criança mudava de colo para que ambos pudessem almoçar.
Me lembro de ter ficado FACINADA com a cena!
E o mais incrível... ninguém no restaurante pareceu se ESPANTAR com a mesma!
Foi muito legal ver o AMOR que ambos dedicavam aquele bebê!
Definitivamente o mundo precisa ACORDAR... e rápido para esta questão.
Parabéns mais uma vez pelo post!
Beijo amigo,
Cristina Brasil
Leco,
Você ainda não voltou para contar como foi o programa na TV Cultura. Vou atrás do seu blog conferir.
Abs,
Eduardo Indig,
Me senti extremamente prestigiado pela sua presença aqui.
Você e Marcelo são pessoas exemplares que deram a cara para bater, assumiram posições, lutaram por elas e ainda se expuseram publicamente, servindo de exemplo, para tantos LGBT e heterossexuais.
Já havia me manifestado antes sobre a Procuradora de Justiça aposentada, hoje já presa, não confrontando com a situação vivida por vocês, mas com as absurdas falas homofóbicas de alguns religiosos que insistem em propalar uma campanha para que casais homossexuais sejam proibidas de adotar. Engraçado é que a Procuradora engaiolada, provavelmente, estaria dentro de todos os requisitos elencados por tais igrejas.
Obrigado pela visita e que vocês três sejam muito felizes!!!
Ah Gabi,
Também achei lindo.
Pouco importa quem seja que adotará, basta que exista consciência, generosidade e MUITO AMOR. As crianças abandonadas agradecem!
Reflexo e Ação,
Que bom que você foi lá votar. Acredite que a votação estava exatamente oposta a isto. Temos que participar, pois incrível que pareça os Deputados acompanham essas enquetes. Obrigado
Cristina Brasil,
Minha doce e queridíssima amiga. Não chorei sozinho então. Evidente que, sendo você uma das minhas melhores amigas, certamente teve os mesmos números batidas aceleradas que o meu coração. Um dia veremos, como vc em Paris, um casal de gays com filhos, sem que a cor da pele e a orientação sexual ainda assustem alguém.
Beijo no coração
Carlos Alexandre
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