O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

Travesti é tratada como lixo humano, fácil de usar, queimar e jogar fora!


Ontem foi noticiado que um estudante de Direito e praticante de jiu-jítsu foi preso em flagrante na manhã de anteontem, sob acusação de ter assassinado um travesti no bairro do Jardim Botânico, zona sul do Rio. De acordo com a delegada da Divisão de Homicídios, Tatiana Queiroz, Leonardo Loeser de Oliveira, de 27 anos, ainda tentou queimar o corpo da vítima. A polícia quer identificar a vítima e suspeita que seja um travesti que trabalhava no centro do Rio, na Lapa.

A delegada responsável pelo inquérito afirmou que afastou a homofobia como causa, uma vez que o assassino tinha hábito de se relacionar com pessoas do mesmo sexo com aparência feminina, segundo palavras dela.
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O problema é mais profundo. Parece que para muitos, como para o assassino em questão, matar, queimar e sumir com o corpo de uma travesti não precisa sequer se tratar de homofobia. E como se travesti fosse uma espécie de lixo humano, descartável, fácil de usar e também de jogar fora.
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O preconceito com as travestis ainda é muito grande. Eu sei bem disto porque, algum dia, vergonhosamente, confesso que também já o tive. Absurdo! Elas são guerreiras, sofrem a discriminação milhões de vezes mais que todos os demais lgbts. A elas são negados desde uma convivência familiar e social comum a todos e até mesmo um mero emprego decente e convencional. Fácil criticar, difícil é estar na pele delas.
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Para se ter idéia de como as travestis são discriminadas, basta constatar que de vítima passou a ser investigada se não seria a algoz, por crime de ameça ou extorsão, e pasmem, para o pai do assassino, o choque não foi descobrir que seu filho é um assassino, mas que se relacionava com uma travesti: "Estamos investigando se ouve ameaça ou extorsão por parte do travesti”, explicou a delegada. Apesar de idoso, o pai do suspeito também foi ouvido pela polícia. “Ele está mais chocado com o fato do filho manter relações homossexuais do que com o crime”.

Na abertura do VII Seminário LGBT no Congresso Nacional, ocorrida no dia 18/05/2010, Keila Simpson (foto acima), vice-presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), emocionou o público do auditório ao ler o texto "História de todas nós" de Rafael MenezesVice Presidente do Grupo Cabo Free. O texto, de forma poética, embora incisiva, fala do cotidiano das travestis, que enfrentam o preconceito na família, na escola, nas ruas e nos serviços públicos, além da violência que torna o Brasil o país campeão mundial de assassinatos de LGBT, com uma morte registrada a cada dois dias.

A sensibilidade de Rafael Menezes (foto ao lado) é grande. Apesar de novo, já foi agraciado com o Troféu Xica Manicongo por seu trabalho na produção de vídeos e Campanhas institucionais de combate ao preconceito e discriminação às travestis e transexuais.

Após a notícia deste horrendo assassinato de mais uma travesti (até o momento anônima) que provavelmente estava na Lapa tentando ganhar a vida para sobreviver, só me resta transcrever para os leitores o texto "História de todas nós" e abaixo juntar o vídeo extraído do youtube, onde mostra a cena de citação da Keila no referido Seminário:

Por Rafael Menezes:

"História de todas nós

Eu sou o avesso do que o Sr. sonhou para o seu filho. Eu sou a sua filha amada pelo avesso. A minha embalagem é de pedra mas meu avesso é de gesso. Toda vez que a pedra bate no gesso, me corta toda por dentro. Eu mesma me corto por dentro, só eu posso, só eu faço. Na carne externa quem me corta é o mesmo que admira esse meu avesso pelo lado de fora. Eu sou a subversão sublime de mim mesma. Sou o que derrama, o que transborda da mulher. Só que essa mulher sou eu, sou o que excede dela.
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Ou seja, eu sou ela com um plus, com um bônus. Sou a mulher que tem força de homem, que tem o coração trabalhado no gelo. Que pode ser várias, uma em cada dia da semana. Eu tenho o cabelo que eu quiser, a unha da cor que eu quiser. Os peitos do tamanho que eu quiser, e do material que puder pagar. O que eu não trocaria por uma armadura medieval , uma prótese blindada talvez. A prova de balas, a prova de facas. Uma prótese dura o suficiente para me proteger de um tiro e maleável o suficiente para ainda deixar o amor entrar.

Bailarina troglodita de pernas de pau. Eu fui expulsa da escola de dança e aprovada em primeiro lugar na escola da vida. Vestibular de morte, na cadeira da “bombadeira”, minha primeira lição. Era a pele que crescia e me dava a aparência que eu sonhava. Conosco, a beleza e a morte andam de mãos dadas.

No mesmo trilho de uma vida marcada por dedos que apontam ate o fim da existecia.
Na minha esquina. Sim, aqui as esquinas tem donos. A noite, meninas como eu ou como outra qualquer, usando um pedaço de tecido fingindo ser uma saia, brincos enormes, capazes de fazer uma mulher comum perder o equilíbrio e um salto de acrílico de altura inimaginável, que a faz sentir-se inatingível. Ela merece uma medalha.

Para um carro, um homem ao volante que deixa em casa sua mulher, e quer ser mulher, ate mais feminina que nós talvez. Porque dessa vez os litros de silicone, os cabelos tingidos, os brincos enormes, o saltos altíssimos não impressionaram a ele. Seu desejo é pelo que ela não mostra nas ruas, ela vai ter que se ver como homem mais uma vez. E a vida segue. Muitas morrem, outras nascem cada vez mais novas. E assim elas vão, desviando dos tiros, esbarrando no preconceito, correndo da polícia. Mas sempre com um batom nos lábios, um belo salto nos pés e na maioria das vezes um vazio no coração.

Ela não precisa de redenção."

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