O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Neste clima de violência urbana transmitida pela televisão, uma pergunta: como vive o homossexual morador de Favela no Rio de Janeiro?



O Rio de Janeiro ganhou no ano passado primeiro lugar de destino gay numa votação internacional e também em outra eleição como sendo o local mais feliz.

Isto não é bom apenas para o Rio de Janeiro, mas para o Brasil e especialmente para LGBTs nacionais. A entrada de divisas é uma língua que as autoridades públicas entendem e reconhecem, por conseguinte, estes ganhos contribuem para visibilidade e reconhecimento do Estado acerca da existência deste segmento na sociedade.

Infelizmente, o Rio de Janeiro de hoje televisionado mostra uma outra faceta também existente, a da violência urbana, centenas de marginais integrantes de diferentes facções ocupando a Favela do Cruzeiro e outras comunidades, criando um clima de absurdo terror para toda a sociedade, mas em especial para os moradores daqueles locais. A violência no asfalto é grave, mas mais pontual, veículos incendiados e terrorismo, já aquela da Favela apesar de crônica, permanente, é ainda mais concentrada e perversa.

No Rio, como se sabe, o Comando Vermelho surgiu no antigo presídio da Ilha Grande, nos primeiros anos da década de 70, fruto da convivência de presos comuns e presos políticos. Depois surgiram diferentes facções.

Podemos dizer que a violência de hoje é resultado da falta do cumprimento dos deveres e garantias sociais do estado e daquele antigo regime de ditadura.

O Rio de Janeiro conhecido pelos seus morros verdes e o mar, favoreceu, topograficamente e clima (entre outros fatores), o surgimento de favelas.

E foi lá, nas favelas cariocas, onde se concentram os principais desfavorecidos e discriminados que a marginalidade, também oriunda do total descaso social, estrategicamente se estabeleceu e passou a dominar aquele especifico território.

Dificilmente um carioca já não subiu uma favela. Já estive em três pelo menos, mas só posso realmente dizer que conheci, ainda que parcialmente, a Rocinha. A maior favela da América do Sul. Dificilmente também alguém que tenha subido um morro já não tenha avistado um marginal armado.

A maioria absoluta dos moradores são pessoas trabalhadoras e honestas, mas a “marca” da favela para quem não vive por lá é e continua sendo como domicílio dos pobres, gangues e marginais.

Óbvio que em toda favela possuem homossexuais. A orientação sexual também não escolhe local.

A mero título de exemplo, basta comparecer a um ensaio da escola de samba destas comunidades que se descobre uma imensa quantidade de gays, lésbicas e travestis oriundos de favelas.

Neste mundo atual tão globalizado e com recursos de tecnologia, a tarde toda assistir na principal rede de televisão os “bandidos” e “mocinhos” fortemente armados, tanques de guerra, carros blindados, caveirão, helicópteros, carros, pneus incendiados, centenas de policiais e assustadoramente centena de marginais, parece mais sessão da tarde exibindo o filme Tropa de Elite – Sem ficção.

Para aqueles que moram no Rio de Janeiro a visão e sentido não são os mesmos, imaginem então para quem mora nestas favelas? Filhos da pátria pobres, grande maioria negra, frágeis. Vivem a discriminação na pele, pela condição social e local onde moram. A polícia chega e, evidente, tem que passar o pente fino, pois ninguém traz na testa se é honesto ou marginal, mas isto não faz com que deixe de ser humilhante. Se não morasse ali não passaria por tal constrangimento. Ao mesmo tempo, o bandido e a milícia abordam e o morador tem que agüentar e se calar, pois depois quem manda e cuida do local são eles.

Ninguém respeita o morador da favela, mas nesta guerra formada, nenhuma das três pontas deste triangulo possui escolha. O bandido quer se salvar e passa por cima de qualquer um, a polícia quer prender, tem que entrar e verificar, e o cidadão morador tem que suportar, já que a ele não é dada nenhuma escolha. Quer tentar entender, basta pensar que o seu lar é, em regra, o local que quando chega, significa a sua segurança, proteção. Não para quem mora numa favela.

E agora lhe pergunto: e os gays, lésbicas e transgêneros que moram nestas favelas? A “escória” da “escória” nos padrões culturais machistas, religiosos e de deputados insanos que afirmam ser falta de porrada? Como estas pessoas que mesmo sem invasão de polícia já viviam sob o crivo de bandidos a ameaça as suas vidas, por conta de suas orientações sexuais? A pobreza está ainda muito ligada a falta de acesso da boa formação, a qual seria uma das únicas expectativas de um futuro melhor. Mas se a toda discriminação do morador de favela ainda tiver que ser acrescido este plus, da violência e discriminação aos LGBTs, como agora eles estarão?

Dentro do universo de quem mora numa favela, sempre encontraremos aqueles que lutam por direitos humanos que reclamarão pelos direitos das minorias dos negros, das mulheres, dos adolescentes, idosos e etc.

No movimento social LGBT muito se discute sobre os imprescindíveis direitos de igualdade e da dignidade da pessoa humana, mas deveríamos prestar uma especial atenção àqueles que conseguem sofrer uma discriminação ainda maior que o restante de nós.

Diante desta confrontação, quase beira ao ridículo quando gritamos pela união civil, direito de demonstração de afeto nos lugares públicos e tantos outros direitos. Para a maioria deles isto nada mais é que supérfluo. Não que tais direitos não sejam fundamentais e não se refiram a dignidade. São e precisam ser exigidos. Mas nada se compara a profundidade ao mesmo direito à dignidade da pessoa humana reclamada por estes cidadãos.

Se este terrível evento no Rio de Janeiro servir para algo de bom, que seja para fomentar a reflexão e reforçar a ação do movimento social contribuindo, através de sua aparente organicidade, a cobrança junto às autoridades públicas municipais, estaduais e federais para que os devidos acessos sejam garantidos a estes LGBTs.

Temos a obrigação de ajudar a cobrar do Estado.

Sei que no ano passado até houve um Seminário de Políticas Públicas para População LGBT Moradora de Favelas, envolvendo a ‘Conexão G’, que este ano houve a primeira passeata gay da Favela da Rocinha, que há Passeata Gay da Favela da Maré, mas sinceramente não faço a menor idéia é feito em termos práticos para a população LGBT da favela. Se alguém souber, partilhe conosco! Fica aqui minha solidariedade aos homossexuais moradores das favelas cariocas.

Fotos:
Rapazes se Beijando - 1a. Parada Gay da Rocinha/RJ -de Saulo Cruz
Policiais e Tiro - Favela Vila do Cruzeiro/RJ - G1

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