O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


sábado, 6 de novembro de 2010

CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO SERÁ JULGADO NO BRASIL PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES


O Tribunal do Rio Grande do Sul é conhecido como um daqueles que mais possui perfil contemporâneo. Mas nem tanto.

Alguém teve a idéia de realizar exatamente aquilo que eu já especulava, entre amigos, há quase um ano atrás, desde que foi anunciada a grande polêmica surgida em Buenos Aires quando um casal obteve o direito de casar através da decisão de um juiz, o qual posteriormente foi cassado por outro juiz.

Os argentinos, Alex Freyre, 39, e José Maria Di Bello, 41, após receberem uma negativa ao pedido de licença para casamento, ingressaram com processo e obtiveram na Justiça o direito a celebração do matrimônio, tendo a juíza Gabriela Seijas dedidido favoravelmente ao pleito sob argumento que a proibição do casamento gay viola a Constituição da Argentina.

Depois da divulgação houve muita oposição e uma juíza federal suspendeu o casamento, o prefeito amarelou e o casamento não ocorreu na data prevista (1º/12/2009)

Entretanto, como os procedimentos legais na Argentina são diferentes dos dispostos na lei brasileira (lá o casamento é autorizado pelo Juízo Administrativo e os recursos são direcionados ao governo local), o casal seguiu outro caminho e obtiveram autorização da governadora da Terra do Fogo, que não estava impedida por nenhuma decisão de juiz federal e, finalmente conseguiram se casar.

Aqui mesmo neste blog, sugeri que brasileiros seguissem o exemplo dos argentinos, se habilitando para o casamento e após ser negado, requerer ao Judiciário a autorização, já que conforme casal homossexual argentino salientou, após sua iniciativa, criou-se uma saudável onda de reinvindicações, que à época gerou mais de 30 recursos com a mesma pretensão de casamento CIVIL.

O casal de lésbicas do Rio Grande do Sul teve provavelmente a mesma idéia e fez o pedido de habilitação para o casamento e, como já era de se esperar, foi negado. O passo seguinte foi ingressar com recurso e partir para a luta pelo reconhecimento judicial ao direito do casamento civil.

Foi exatamente o que ocorreu. Mas o Tribunal do Rio Grande do Sul, que já havia anteriormente apreciado e julgado recurso com idêntica pretensão, se manteve na posição arcaica e conservadora. Negou provimento ao recurso do casal de lésbicas, negando o direito ao casamento.

Os motivos dos desembargadores gaúchos foram aqueles de sempre, bastante conservador: o casamento previsto no código civil é somente entre o homem e a mulher, visa à legitimidade da estrutura núcleo-familiar, a qual se destina a prole e blá blá blá.

Aliás, mais grave. Sabe-se hoje que já não causa nenhum espanto o reconhecimento da união estável homossexual pelos tribunais, mas no teor da decisão retrógrada, ora comentada, o erro foi maior, pois neste julgamento o relator do voto chegou a sugerir que o casal poderia obter o reconhecimento da sociedade de fato (como se sócios comerciais fossem), fazer testamento e etc, embora sabidamente estas soluções sejam injustas, desiguais e nada eficazes.

A Ementa foi a seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL. CASAMENTO HOMOSSEXUAL. HABILITAÇÃO. AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ENTIDADE FAMILIAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 1.514, 1.517, 1535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL QUE TIPIFICAM A REALIZAÇÃO DO CASAMENTO SOMENTE ENTRE HOMEM E MULHER.

Ao contrário da legislação de alguns países, como é o caso, por exemplo, da Bélgica, Holanda e da Espanha, e atualmente o estado de Massachussetts, nos USA, que prevêem o casamento homossexual, o direito brasileiro não prevê o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Na hipótese, a interpretação judicial ou a discricionariedade do Juiz, seja por que ângulo se queira ver, não tem o alcance de criar direito material, sob pena de invasão da esfera de competência do Poder Legislativo e violação do princípio republicano de separação (harmônica) dos poderes.
Ainda que desejável o reconhecimento jurídico dos efeitos civis de uniões de pessoas do mesmo sexo, não passa, a hipótese, pelo casamento, instituto, aliás, que já da mais remota antiguidade tem raízes não somente na regulação do patrimônio, mas também na legitimidade da prole resultante da união sexual entre homem e a mulher.
Da mesma forma, não há falar em lacuna legal ou mesmo de direito, sob a afirmação de que o que não é proibido é permitido, porquanto o casamento homossexual não encontra identificação no plano da existência, isto é, não constitui suporte fático da norma, não tendo a discricionariedade do Juiz a extensão preconizada de inserir elemento substancial na base fática da norma jurídica, ou, quando não mais, porque o enunciado acima não cria direito positivo.
Tampouco sob inspiração da constitucionalização do direito civil mostra-se possível ao Juiz fundamentar questão de tão profundo corte, sem que estejam claramente definidos os limites do poder jurisdicional. Em se tratando de discussão que tem centro a existência de lacuna da lei ou de direito, indesviável a abordagem das fontes do direito e até onde o Juiz pode com elas trabalhar.
Ainda no que tange ao patrimônio, o direito brasileiro oferta às pessoas do mesmo sexo, que vivam em comunhão de afeto e patrimônio, instrumentos jurídicos válidos e eficazes para regular, segundo seus interesses, os efeitos materiais dessa relação, seja pela via contratual ou, no campo sucessório, a via testamentária.
A modernidade no direito não está em vê-lo somente sob o ângulo sociológico, mas também normativo, axiológico e histórico.
APELAÇÃO DESPROVIDA.
Esta decisão foi reacionária, antiguada e repito, para quem conhece as consequencias e efeitos jurídicos propostos como solução pelo desembargardor que fez o voto, sabe-se, também, que totalmente injusta.

A fase ruim acabou e um novo capítulo começou.

O casal de lésbicas gaucha ingressou com dois recursos, um especial junto ao Superior Tribunal de Justiça e outro extraordinário endereçado ao Supremo Tribunal Federal. O primeiro a ser apreciado é no Superior Tribunal de Justiça.

E a boa novidade é que o Relator sorteado foi o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO da QUARTA TURMA, aquele que desempatou o primeiro julgamento (Recurso Especial Nº 820.475 – RJ) que reconheceu a possibilidade jurídica do pedido de união estável de casal homossexual.

Foi este, em suma, o resultado do julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 – RJ que apreciou a questão da União Estável Homossexual pelo mesmo Ministro Relator:

EMENTA
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.
2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.
3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.
4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.
6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.
5. Recurso especial conhecido e provido.

O Recurso Especial nº 1183378 das meninas que desejam se casar chegou ao STJ em março de 2010 e desde outubro do corrente ano foi encaminhado para o Ministério Público se manifestar sobre a questão, antes do julgamento.

A tese a ser debatida neste julgamento sobre a possibilidade do casamento civil homossexual é a mesma da união estável homossexual. O código civil não proíbe a união estável para pessoas do mesmo sexo, da mesma forma que não proíbe o casamento. Há lacuna na legislação ordinária, havendo necessidade do julgador se socorrer nos arts. 4º e 5º da LICC e 126, do CPC e nos princípios constitucionais da igualdade, dignidade da pessoa humana e, inclusive, na orientação que toda lesão de direito será apreciada pelo Poder Judiciário, como inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Agora cabe torcer para que outras pessoas sigam o exemplo do casal de lésbicas do RS e a exemplo da Argentina nossos tribunais façam o trabalho do legislativo e, lógico, torcer para que este recurso especial (REsp 1183378) em debate tenha um final feliz.

Não é devaneio imaginar e até acreditar, à luz do direito, que o poder judiciário possa fazer justiça.

2 comentários:

Lorena disse...

Olá Alexandre,

acabei de chegar ao seu blog enquanto procurava informações sobre a União Estável, no Google. Fiquei bastante contente e animada ao ler sobre esse casal que está tentando o direito ao Casamento Civil. Isso porque eu e minha noiva estamos, também, já nos informando (ou tentando) sobre todos os trâmites legais existente para que possamos oficializar nossa união. Nesse senitdo, conhecemos (e ainda não profundamente, infelizmente) a União Estável como forma de oficializar nosso "casamento". Fiquei animada com a possibilidade de, quem sabe, conseguir o direito ao Casamento Civial de fato! Vou conversar com minha noiva sobre o assunto, porque é algo que eu também gostaria de tentar.

Porém, eu fiquei com uma dúvida, ou melhor, gostaria de um esclarecimento. Nós duas já estamos pensando em registrar União Estável, de qualquer forma... Isso atrapalharia um processo para o pedir o Casamento Civil? Ou não interferiria? Ou ainda, ajudaria ter o documento de União Estável, nesse caso?

Muito obrigada por nos trazer essas informações, entre outras. Qualquer notícia e esclarecimento sobre nossos direitos são sempre apreciados!

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Oi Lorena,

Não há qualquer conflito ou prejuízo de se registrar a união estável, pelo oposto.

Pela lei civil, que prevê a união estável, existe dispositivo legal que determina que seja facilitada a conversão da união estável em casamento.

Abraço,
Carlos Alexandre

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