O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


quarta-feira, 26 de maio de 2010

Travestis, muitas vezes vítimas da sociedade, e outras, de si mesmas



Infelizmente mesmo quando nos sensibilizamos com as mais injustiçadas e discriminadas entre as letrinhas da sigla LGBT, as Travestis, assistimos uma faceta que a realidade não quer nos poupar: a violência.

Hoje no programa que cada vez sou mais fã, Profissão Repórter, o jornalista Felipe Suhre registrou a rotina de Luana, travesti desde os onze, e acompanha seu trabalho durante quatro noites na Lapa do Rio de Janeiro.

Luana, sabidamente vigiada pelas câmeras da mais poderosa televisão brasileira e carregando um microfone oculto, depois de vender um peixe de um hipotético poder sobre as outras travestis, ser possuidora de mais de um imóvel e que habitualmente viaja para Itália, durante quatro noites tenta conquistar um cliente para fazer um programa, SEM CONSEGUIR. Luana estava ciente que as mesmas câmeras filmavam suas colegas de labuta saírem sem dificuldades com clientes, até três delas juntas. Num ato de vaidade ferida, raiva e principalmente, querendo parecer que estava 'saindo por cima' de uma situação na qual provavelmente se sentia exageradamente humilhada, fez o que de pior poderia: covardemente bateu de forma violenta num rapaz que sabia estar bêbado ou drogado e que não levou a cabo a promessa do programa, a qual ela já suspeitava não se efetivar.
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O jornalista Felipe Suhre me pareceu honesto quando disse não saber como reagir àquela situação, mas deveria saber. Se não na qualidade de jornalista, como cidadão. Sua intervenção diante daquela violência era obrigatória. Ele pode até ser supostamente incriminado por omissão de socorro, já que deixou de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à pessoa temporariamente inválida, desamparada e em iminente perigo de vida, ou mesmo por não pedir socorro da autoridade policial. O cinegrafista não deveria, até por força de seu papel naquele momento, de deixar de realizar o papel que era dele esperado, gravar a cena, mas o Jornalista Felipe apenas cruzou os braços e assistiu.
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A cena criminosa filmada não “caiu” e a edição preferiu pagar o preço da provável cobrança que surgirá desta omissão que deixar de mostrar um flagrante real. Até aqui correto, pois fez parte da realidade que um programa jornalístico não poderia se furtar a apresentar.
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No entanto, a atitude do jornalista não foi o único deslize.
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A pauta indicava três situações diferentes com enfoque no mesmo tema: prostituição. Uma prostituta de hotel de luxo, uma prostituta de bordel e uma prostituta travesti que fazia ponto na esquina de rua.

Não chegou a surpreender o fato da Renata, prostituta 'de luxo', possuir um estilo de vida comum, ser fofa e tudo parecer muito normal. Business! Tempo é dinheiro!

A prostituta 'de bordel', Ana Paula, emociona, dá vontade de dar colo, saltava da tela seu efeito empático, desprovida de qualquer pretensão, com naturalidade e sem vitimismo, revela seu desamparo num histórico de ausência de formação cultural e intervenção social, nascida de prostituta no nordeste e sobrevivendo na profissão que conheceu, mas com muita dignidade, afetividade e respeito pelo próximo. Linda ela, se sensibiliza com a inteligência de uma criança, seu filho. Mãe solteira de uma gravidez de cliente, a qual pretende cuidar sozinha, que mesmo de barrigão está ali, no bordel, literalmente trabalhando.

Novamente, voltamos a Luana, a travesti. De todas as versões de prostitutas já era, previamente, a mais discriminada, por ser a da esquina e, principalmente por ser travesti.

Ao ser apresentada a história da prostituta travesti os responsáveis pelo programa sabiam que, em rede nacional, perante os telespectadores, todas as travestis existentes seriam maculadas pela imagem daquela travesti escolhida por eles.

Luana fez o que fez, mas em nome da ética e da responsabilidade social que carrega um programa sério de jornalismo, o mínimo que poderia se esperar era que além de apresentar aquela travesti aparentemente decadente e violenta, também demonstrasse a história de outra prostituta travesti de rua, a maioria delas, que fosse tão digna quanto as outras prostitutas heterossexuais apresentadas no programa.

Profissão Repórter não estaria agindo com parcialidade, mas justiça. Afinal, a ênfase do preconceito contra as travestis já é pintada com cores fortes na sociedade, são publicamente alvos de violências nas ruas e, entre todas as prostitutas, são aquelas que mais sofrem discriminação, inclusive, com dificuldade infinitamente maior de serem acolhidas em outras atividades profissionais.

Na minha opinião, dois erros graves existiram desta vez no programa. Mostrou a omissão de socorro de um jornalista e uma grave e culposa atuação da direção do Profissão Repórter ao deixar de procurar apresentar a realidade – da média – das travestis prostitutas de rua, acentuando uma discriminação já tão forte e cheia de consequências fatais.
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Quanto a Luana, esta errou por ela e, ilogicamente, como onda sísmica, por todas as travestis inocentes que lá não estavam.
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4 comentários:

Papai Gay disse...

Eu evangélico? De onde vc tirou isso.
Nossa, realmente chocante a cena do travesti. Uma pena!

Leco Vilela disse...

E mais uma vez também assisti ao programa. Vale lembrar o comentário do reporter "Ela sabia que estava sendo filmada, concerteza isso foi um recado, um desabafo por tudo que as travestis sofrem"...

Violência só gera violência, mas garanto que MUITOS concordam com a postura violenta da travesti, que de fato foi uma catarse para muitos. E penso qual seria a postura do movimento BashBack! se ficasse sabendo dessa matéria, iriam no minomo elogia-la...

Mas lamento como você, tanto pela violência desmedidade, como pela forma como o jornal tratou o caso.

O programa perdeu uma ótima oportunidade de mostrar o trabalho de instituições sérias como é o caso do Centro de Referencia aqui no centro de São Paulo.

Dorothy Lavigne disse...

Eu sou do Bsh back, e não a elogio, pois o que motivara a agressão, pelo que vi, não fora a discriminação contra a pessoa de uma travesti, mas uma outra questão que nada tem a ver com preconceito.

O autor do blog esta de parabens pela sua visão sobre o papel irresponsavel da midia no caso.

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Quero fazer um registro, para quem eventualmente venha ler este artigo.

Conheci Luana e, por conseguinte, sua versão.

Ela sabia que estavam gravando e realmente tinha plena consciência de seus atos.

A mesma afirma que quem a conhece sabe que não é violenta, mas que aprendeu a se defender.

Sustentou Luana que o programa editado não mostrou que o rapaz estapeado ficou com ela por longos quarenta minutos e que depois de acertar o programa, a disse que não subiria.

Entendi que ela se sentiu zombada e desrespeita pelo rapaz, quem ela afirma também que não se encontrava alcoolizado, como aparentava no programa apresentado.

Mas o mais importante foi outro fato. Luana justificou uma pretensa necessidade de agir daquela forma, como defesa para as próprias travestis. Para ela é importante que se passe a imagem que travesti reage e que na rua elas não permitem qualquer tipo de atos censuráveis, como roubos, agressões verbais ou físicas.

Daí considerei importante aduzir estes acréscimos. Pois, o Leco em seu comentário percebeu e entendeu algo que da minha parte passou batido. O jornalista fez questão de esclarecer que ela sabia o que fazia, portanto, ela parecia na realidade queria mandar um recado. E era exatamente isto, segundo ela.

Continuo considerando que foi desproporcional a sua reação. Mas reconheço que é muito fácil julgar quando não se está na pele da pessoa, enfrentando discriminação e aprendendo a criar couraças para lidar com o cotidiano, não muito favorável.

Eu, assim como a Dorothy (que fez comentário) não vislumbramos a reação pela discriminação. Mas parece que não foi assim para a travesti Luana e, segundo a mesma, para as pessoas que com ela falaram.

Outro ponto interessante é que ainda segundo Luana, todos que falaram com ela a apoiaram, e aqueles que se disseram contrários foram foram exatamente os gays.

Abs,
Carlos Alexandre

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